Não existem dados que evidenciem a existência no país de outro espaço físico com essa proposta — o que não é tão raro de encontrar em outras nações, como Estados Unidos.
Um levantamento feito em 2018 pela ONG Avante constatou que apenas 6,5% das bonecas fabricadas pela indústria nacional são negras. Isso apesar de 53,6% da população brasileira se declarar preta ou parda, segundo o IBGE.
A ONG também verificou que esse percentual se mantém estável desde 2016. Naquele ano, uma pesquisa feita nos mesmos moldes indicou que 6,3% das bonecas produzidas e vendidas no país, seja em lojas físicas ou on-line, eram negras.
Dandara é o carro-chefe
Jaciana criou uma loja virtual há cinco anos e, em 2017, começou a profissionalizar o negócio. Ela destaca que a demanda para uma loja física ficou clara nos últimos tempos:
— Vejo isso como resultado de um maior entendimento sobre a História negra e o racismo.
O carro-chefe da loja pioneira é a boneca Dandara, batizada em homenagem à mulher de Zumbi dos Palmares. Personagem importante da História do Brasil, ela teve sua trajetória pouco estudada — marcadamente pelo fato de ser mulher e negra.

Loja também para brancas e para meninos
Jaciana ressalta que a ideia da loja não é atender exclusivamente meninas negras. Na visão dela, é fundamental que meninas brancas tenham acesso também a bonecas de cor diferente da delas, para que valorizem desde cedo a diversidade no mundo. Ela explica que também é importante que meninos, como seu filho, possam usar essas bonecas e outros brinquedos como referência.
— A gente trabalha pensando na autoestima das meninas negras, mas, para isso acontecer, é importante que os meninos, brancos ou negros, entendam uma série de aspectos para viverem em harmonia e igualdade — afirma ela. — Uma menina branca da periferia consegue ver uma executiva na novela que se parece com ela de alguma forma e, assim, sentir-se estimulada. Quem é negro tem poucas referências, e às vezes, fica estagnado porque não recebe qualquer incentivo ao seu redor. Resumindo: eu faço bonecas negras porque eu preciso que a menina negra seja representada, mas também preciso que as crianças brancas não pensem que um negro só pode ser empregado.
Embora o grande destaque da loja sejam as bonecas, serão vendidos também outros brinquedos, significativa parte deles educativos. Jaciana chama atenção para o conceito de livro-brinquedo: trata-se de livros de tecido, feitos artesanalmente, com itens com os quais a criança pode interagir. Alguns vêm com tintas para que a menina ou o menino pintem o rosto seguindo as pinturas sugeridas pelo personagem da história. Outros vêm com uma boneca de turbante, para que a criança aprenda sobre roupas étnicas, por exemplo.
— Alguns personagens dos livros-brinquedos que eu crio têm os traços inspirados no meu filho. O primeiro lote que eu abri e mostrei para o Matias foi emocionante. Os olhos dele brilharam e ele logo perguntou "Mãe, onde eu estou?", porque o personagem aparecia num fundo do Egito e ele queria saber que lugar era aquele — recorda Jaciana.
O projeto da loja foi possível graças ao Instituto Ekloos, uma aceleradora fundada pela ex-executiva da Microsoft Andréa Gomides que ajuda ONGs e empreendimentos a terem impacto social positivo.
— Atualmente, aceleramos 108 organizações semelhantes à Era Uma Vez o Mundo, sendo 54% das iniciativas lideradas por negros e 57% por mulheres — afirma Andréa. — Ao comprar uma boneca da Era Uma Vez o Mundo, não só estamos desenvolvendo o empreendedorismo, mas levando bonecas negras para as casas que hoje, em sua maioria, só possuem bonecas brancas, pois as negras só representam 7% do mercado.
A loja fica em uma galeria na Rua dos Andradas, 22, Centro do Rio. Ela funciona de segunda a sexta, das 10h às 19h, e aos sábados, das 10h às 14h. O preço das bonecas varia entre R$ 65 e R$ 80.